Para lá dos grandes palcos onde desfilam os grandes artistas, existe um mundo a parte onde a força de vontade transforma-se em motor com qual se superam obstáculos para a concretização de sonhos. Longe daqueles palcos e bem no coração da periferia, talentos despontam para se afirmarem na cena do Hip Hop local e darem segmento ao movimento. O grupo Mentes Criativas, composto por três elementos - um produtor e dois rapper's - todos residentes no blocko 4, na periferia da cidade de Maputo, é disso exemplo. Lançou em finais de 2013, um mini álbum intitulado Forma de Expressão que foi na verdade o culminar de um processo árduo de trabalho que visa(va) promover o grupo, na altura, recém formado.
Forma de Expressão, mini álbum de estreia dos rapper's Vulcão e Esboço, é um trabalho que se deve escutar sem grandes expectativas, mas com uma enorme disposição para assimilação das mensagens nele contidas. Os ouvidos mais apurados e exigentes podem ressentir-se de algumas deficiências técnicas, mas a poesia que se "declama" nas instrumentais monopolizadas por FC iliba o grupo dos seus pecados naquele aspecto. O Mundo Sub-Urbano travou uma conversa prolonganda e até animada com dois dos membros do Mentes Criativas e ficou a saber além de muitas outras matérias, do processo de concepção do mini álbum e os ideais que norteiam o percurso deste grupo que ainda tem muito a dar ao Hip Hop. Acompanhe a entrevista.
MSub: Como é que surge a ideia de se criar o mini-álbum?
Vulcão: Eu posso me considerar o ingrediente fundamental para a existência, primeiro do grupo, segundo da obra, sem, no entanto, ignorar a ajuda dos outros elementos, sem os quais a existência deste não seria possível. Primeiro, a ideia de se fazer esse mini-álbum que na verdade é um bloco de oito músicas surge com o objectivo de promover o grupo "Mentes Criativas" que acabava de ser formado. Nós tínhamos a ideia de promover o grupo e achamos que um bloco de músicas seria opcional no sentido de dar múltiplas escolhas em termos de músicas às pessoas que iriam ouvir o grupo pela primeira vez. A pessoa poderia identificar-se com algumas das músicas ao longo do álbum, assim como poderia não gostar das sete faixas mas gostar de uma. Então, foi daí que surge a ideia de fazer-se o álbum. Eu propus a ideia ao meu nigga Esboço, na ocasião, eu tinha formado um projecto com o produtor FC que se chama "Criativas Produções" que é basicamente uma parceria no qual ele doa-nos as instrumentais e nós fazemos o trabalho. Então, a ideia do álbum surge mesmo nesse contexto de divulgação do grupo que acabava de ser formado.
MSub: O que são Criativas Produções?
Vulcão: Criativas Produções é um projecto que fiz com o FC com a ideia de ele produzir a mim. Ele produziria algumas instrumentais para mim e eu trabalharia a parte da escrita e daria voz às suas batidas. Já no surgimento do grupo Mentes Criativas, eu falei com ele e apresentei-lhe a proposta sobre o grupo. E por acaso tinha falado com outro productor que se chama Mpro, mas infelizmente ele não pôde contribuir com nenhuma instrumental não sei ao certo o que poderá ter acontecido, mas creio que isso aconteceu por motivos alheios à sua vontade, então acabamos ficando com o FC e ele é que produziu o trabalho todo, então Criativas Produções surge nesse contexto, de um MC, um produtor, mas que depois ele teve que produzir para dois MC's.
MSub: No texto que acompanha o vosso álbum vem o nome de Esboço, Vulcão, Latifário e FC. Quem são os elementos de Mentes Criativas?
Vulcão: Mentes Criativas é FC, por causa de Criativas Produções, eu, Esboço e Latifário num contexto em que ele tinha que aparecer como auxiliar do grupo, como alguém que poderia ajudar o grupo no sentido de um é universitário e eu tenho as minhas ocupações e FC também está a fazer o seu curso e nalgum momento nós não teríamos tempo para executar certos trabalhos então, Latifário veio como auxiliar por este meio.
MSub: Sei que antes de vocês formarem o Mentes Criativas, tiveram oportunidades de trabalhar juntos em outros projectos. Mas bem antes disso, como é cada um de vocês entra no movimento Hip Hop?
Esboço: Eu entro no RAP quando estudava na Escola Secundária Solidariedade. Nessa ocasião, já vinha escrevendo ou rabiscando uns versos e lá conheci o rapper's Proteínas e Young Piece. Eles já se identificavam muito com o estilo e faziam umas músicas. Recordo que enquanto eu ainda tentativa escrever eles já gravavam com um tal de Vulcão e Mero. Os dois eram meus amigos, compartilhávamos todos os momentos na Escola e eu me identificava muitos com eles. Foi então que espontaneamente decide que também queria fazer a mesma cena que eles faziam. Isso em 2008. Decidi que entrar no jogo, recordo da primeira música gravada na Tambor Records - música - bem desenquadrado no beat. Foi uma musica que, por acaso, assustou-me. Deixou profundamente abalado porque percebi que não eram exactamente como eu vinha pensando. Depois dessa música fiquei quase um ano sem pisar um estúdio, só escrevia em casa para alimentar o sentimento. No ano seguinte, quando já tive como colega de carteira o Eunísio Tomás, (Vulcão) ele puxou-me, já íamos à Plataforma Studio fazíamos algumas músicas e deu certo. Meses depois, ou ano seguinte, surge o grupo Movimento Soberano foi daí que a carruagem caminhou até hoje.
Vulcão: Quanto a mim, o Hip Hop surge 2004/5, mas esses anos poderia compará-los ao periodo em que dois jovens se conhecem criam afinidade, namaroram. Um período bem antes do casamento para constituírem uma família. Já 2005/6 é quando conheço um amigo meu que é mais familiar para mim, chama-se R-Mac (big up pra ele). Ele ouvia músicas do género e sempre que o via repar, tantos as suas letras ou de outros rapper's ficava com curiosidade e vontade de fazer o mesmo. No princípio era mais por emoção, mas com o andar do tempo o sentimento foi se definindo de forma mais clara. A primeira música que fiz foi com ele num estúdio CBB, em 2007. E dai surge a história do Movimento Soberano e deste então foi somente andar.
MSub: Como foi a experiência de ter que "parir" o primeiro álbum?
Esboço: Bem, primeiro importa referir aqui que enquanto se planeia, as coisas parecem serem fáceis demais. Quando corremos atrás do sonho é quando sentimos o sabor amargo das coisas. Muitos obstáculos. Recordo-me de eu ligar para ele (Vulcao) e dizer: I give up. Mas sempre depois surgia a força de vontade,..... é aquilo que a gente gosta. Para mim, o sensação boa foi quando terminamos e vi o projecto na mão, no decorrer do processo foi muito doloroso. O estúdio ficava bem longe.
Msub: A propósito, onde foram gravadas as músicas?
Esboço: No Young Produções.
Vulcão: Bem, no início eram sete faixas que estavam planeadas, das quais cada um teria uma individualmente e as restantes cinco seriam em grupo. Tinhamos como ponta-pé de saída gravar as músicas na Young Produções no bairro de CMC, mas de repente surge o momento mais amargo que foi a transferência do Estúdio de CMC para o bairro de Matendene. Foi ai que começa a parte amarga do projecto. Creio que Esboço sentiu a amargura do percurso ai mesmo, mas eu estava cheio de espirito, energia e força de vontade. Recordo que nalgum momento ele sentiu muita pressão e eu tive que explicar a ele que não era fácil como nós pensávamos. Eu também senti que não estava a ser fácil. Mas se não fossemos nos quem seria? Recordo também que uma boa parte das músicas tive que acompanhar a masterização sozinho, mas isso por motivos alheios à nossa vontade. Ele está na faculdade. Eu cuidei também da capa, porque nós já havíamos dividido o projecto como é que faríamos a coisa, isso para evitar sobrecarreg-lo, uma vez que eu tinha tempo suficiente. E quando tivemos o projecto final nas mãos, conforme ele disse, essa foi a parte mais doce.
Msub: Mas antes dessa parte doce, no início, como é que foi a definição do perfil do álbum? Desenharam tudo no começo ou foram definindo temas ao longo do percuros?
Vulcão: Bem, nós quando criamos o projecto tinhamos uma vertente sim, que era criar um álbum com musicalidade. Uma coisa RAP com musicalidade, porque o nosso objectivo era abranger todas as camadas sociais e a mensagem também toma essa direcção atingir não só atingir a comunidades Hip Hop. Com o andar do tempo, fomos escolhendo e discutindo as instrumentais e quando concordássemos combinávamos o tema. O tema do álbum, Forma de Expressão, surgiu no início mas considerávamos a hipótese de substitui-lo com outro que se calhar que nos pudesse parecer melhor ou mais conveniente para justificar as oito faixas. Mas acabou ficando mesmo este.
Esboço: Deixe só recordar ao Vulcão que o primeiro nome dado ao álbum foi "Rolamento dos Revés"
Vulcão: Ya, obrigado por inserir essa parte na minha caixa de pandora.
MSub: Voces queriam musicalidade e criar algo que abrangesse mais pessoas. Quando olham para o resultado final, qual é o balanço?
Vulcão: Ok, isto é assim, nós estávamos convictos que daria certo. Mas... - não sei se posso usar a palavra "infelizmente" para caracterizar o que pretendo - mas recorrendo mesmo a ela, eu constatei que nós fizemos bem o nosso trabalho, porém há alguma coisa que aparece um pouco distorcido entre a nossa prestação e do estúdio. A masterização não justificou ou não alcançou os nossos padrões, razão pela qual nós não fizemos a divulgação ao nível das rádios. Também tínhamos outro objectivo: tornar o álbum materializado - tê-lo em CD -, infelizmente antes do fim desse processo o bolso estava tão furado que nenhuma moeda ficou-la para essa concretizarmos esse objectivo e acredito que essa é a parte que mais contribuiu para que o álbum não fosse assim tão divulgado. Mas de qualquer das formas ele está aí a circular, nós o consideramos nosso filho. Como artistas nos consideramos bebés e não podemos nascer a correr.
MSub: Pode-se considerar que o grupo não está satisfeito com o produto final?
Vulcão: Ya...., mas a verdade é que dizer "sim" está errado, mas dizer "não" também está errado. Estamos no meio termo entre as duas opções. É algo como um aluno apresentar na sala de aulas uma resposta e a professora dar meio certo. (gargalhada)
MSub: Das oito faixas qual é que, individualmente, consideram que foi a mais bem conseguida?
Esboço: Para mim isto é como se eu fosse um pai e os sons meus filhos, são todos especiaias. Mas como entres os filhos há sempre um obediente que acaba merecendo mais carinho. E tendo isso em conta, no meu ponto de vista, "Mais que tudo" e a melhor faixa. Para mim Mãe e Deus não podemos brincar com eles.
Vulcão: Eu analisando todas as músicas....entre pai e mãe acho que tem sente mais a dor quando perde um filho é a mãe, talvez por ser a pessoa que mais tem contacto com o filho. E eu poderia me colocar no lugar da mãe. E para mim perder uma música como "Vovó Alice" - gargalhada - o álbum não estaria complento. Essa é a música que mais me marcou.
MSub: O blog Mundo Sub-Urbano aponta "Chances" como sendo a música mais bem conseguida. Como surge a ideia de criar esse som?
Vulcão: Essa foi a segunda música a ser feita - a primeira foi "Conhecidos" por acaso quem deu tema fui eu e ele concordou e tinhamos que fazer a música com um rapper chamado Pepetela - que faz dupla com Elgregos - Pepetela não esteve presente a acabamos fazendo a música nós os dois. No final de tudo, até agradecemos isso porque a música acabou ficando somente para nós sem ter que andar a dividi-la.
MSub: Neste álbum vocês foram extremamente "egoístas", não tem nenhum convidado inclusive na produção.
Esboço: A ideia de "monopolizar" o "primogénito" era mesmo de abranger também a camada que não escura RAP. O tema Vovó Alice surge mesmo neste espirito, aliás, o rapper Adão devia ter sido convidaddo o rapper Adão para fazer o refrão em changana mais para poder abranger as pessoas que não estão familiarizadas com a língua portuguesa. Nós discutimos muito essa parte, eu propus a ideia e essa seria, se calhar a única participação, mas o Vulcão defendia que tínhamos que monopolizar. Acho que foi algo bom, porque queríamos mesmo algo mais nosso.
Vulcão: E quanto ao productor, FC é a pessoa mais próxima e que não nos pode negar uma instrumental. Então nos achamos melhor fazer o bloco de músicas com ele, assim estaríamos em simultâneo a levantar o nosso nome e o dele como bom produtor. Então é nós a fezermos algo nosso.
MSub: Noites de reflexão é uma mescla de assuntos que são abordados - políticos, sociais e até religiosos. Qual é a ideia central da música?
Vulcão: A ideia central da música é exactamente a reflexão em torno de tudo. Estou numa noite de reflexão, em que chego me deito na cama e antes de apanhar sono - normalmente nos pensamos, no caso de nós que temos uma vida abaixo da media as nossas casas de alvenaria são cobertas de chapa de zinco e costumanos contar as ondas das chapas a ver se o sono aparece e a reflexão surge nesse contexto em que eu estou deitado na cama e vou reflexindo sobre vários asuntos. É por isso que no refrão digo, "análises vem em torno de quase tudo, pequenos pormenores mostram que valem muito".
MSub: Num dos temas, diz olho para po RAP como uma poderosa arma que purifica mentes cobertas de lama. Olhando para o RAP que é feito sente isso que diz na música.
Esboço: A minha personalidade é edificada pelo RAP, depois tem a parte da escola. porque a música chaga onde mil viagens não chegam, atinge o pico da moralidade. Olhando para o todo, não sei se as pessoas estão a seguir essa missão, nao lhes posso julgar. mas a minha ideia ao fazer RAP e essa mesma.
Vulcão: A ideia que nós trazemos nas músicas é de rítmo, arte e poesia, mas há quem faz rítmo, arte e qualquer oitra coisa diferente de poesia.
MSub: Ou seja, para vocês existe o ideial e o concreto que é o que é feito.
Vulcão: Para mim, a frase, olho para o RAP como poderosa arma que purifica mentes cobertas de lama é na ideia de que o RAP vem dos livros, é um exercício de observação, análise e crítica. Ou seja, nós quando observamos uma coisa, depois analisamos e depois tecemos críticas. Agora, cada um faz esse exercício da sua maneira. Esboço quando faz essa exercício nessa três etapas o resultado final é um texto educativo que obedece o padrão de ritmo arte e poesia. A diferença entre o que ele escreve e um livro é que no primeiro caso lê-se enquanto a obra dele escuta-se. Esse exercício que Esboço e eu fazemos de observação, análise e crítica culmina num fenómenos que se chama intelectualidade.
MSub: Podem comentar um pouco a música "Triste Pessoa". É um som com uma sonoridade diferentes dos demais.
Esboço: Para se acabar com as situações que a música reflecte tem que se acabar com a pobreza. Sobre o perfil da instrumental, eu primeiro não concordei com ela porque não faz mesmo estilo. O FC produziu a instrumental e Vulcão gostou e é algo diferente e bonito. A diferença é que faz a beleza.
Vulcão: Essa instrumental existiu antes de grupo Mentes Criativas existir. Era para eu fazer uma música com o nigga Blunt Smocker, mas quando surgiu o Mentes Criativas e a ideia da fazer essa bloco de músicas foi quando eu recordei dessa instrumental e por acaso eu já tinha os 16 versos escritos. Eu tenho uma característica de escrever minha música não leva todo tempo a falar da mesma forma sobre um assunto. Ou seja, procuro abordar meus temas de diferentes meneiras. Então, em triste pessoa primeiro falo da parte masculina, depois abordo na parte feminina. Por acaso o beat eu gostei, é uma instrumental que me deixou livre apesar de que o meu flow ali não acho que tenha sido o meu melhor.
MSub: Como é que está a ser feita a promoção?
Esboço: A promoção está a ser feita mano a mano, assim fazemos o movimento. Infelizmente não achamos que seria uma boa escolha ir à rádio por razões já explicadas. A verdade é que as pessoas que recebem reconhecem e parabenizam.
Vulcão: Por acaso eu também tenho o álbum aqui no telemovel qualquer com que me cruzo dou-lhe a informação e insisto e obrigo para levar (risos). Este ano temos um projecto de fazermos mais um bloco de músicas e certamente com uma qualidade promissora e mais bem organizado. Nós preferimos trabalhar com bloco de músicas porque álbum pra nós é algo muito difícil de fazer. Para um álbum, no nosso ponto de vista seria, necessário termos um estúdio, aprendermos a produzir e termos um enginheiro de som que não tem nada a ver com Hip Hop ou outro estilo é somente enginheiro de som. Então, nós poderíamos produzirmos exactamente aquilo que queremos, porque encontrar uma pessoa que faz exactamente o que queremos é difícil. É dai que surge aquele ditado de ouro que diz: ninguém melhor que nós próprios para fazermos que o queremos.
Esboço: Não prometemos o bloco de músicas.
MSub: Até que ponto vós interessa aprender a produzir vossas próprias instrumentais?
Vulcão: A mim me interessa muito porque neste momento o que acontece é que eu posso compor uma letra e precisar de uma dada instrumental para poder enquadrar a mensagem e o produtor não conseguir ser fiel à minha ideia. Ou seja, se eu quero me alimentar devo ser eu próprio a caprichar na comida para sair o que eu quero. E por vezes é difícil passar a ideia exacta de uma instrumental para um produtor então, se for eu a produzir saberei fazer o que quero. (MSub)
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